terça-feira, 26 de abril de 2011

Uma última balada

"É... Oi, tudo bem?"...
Foi o que ele me disse.
Naquela festa bagunçada, cheia de pessoas perdidas querendo dividir seus desejos, uma voz hesitante, um tanto acanhada chegou aos meus ouvidos.
"Outro...", pensei, "apenas mais um insensível querendo aumentar sua listinha". Ignorei, ele iria desistir, como os outros.
Minha real vontade era mesmo sair dali, estava cheia de cantadas ridículas e gestos obscenos, meu cérebro já estava sendo corroído pelas letras de música que já não faziam tanto sentido, será que havia algo naquela bebida? Aliás, por que mesmo eu estava ali? Ah, é.... Diversão.
Olhei para o lado, ele continuava ali.
Ótimo, insistente. Vamos ver se um beijo valeria a pena.
Um sorriso falso, forçado e uma desculpinha fajuta de "perdão, não tinha visto você" começou uma conversa distraída. "Tudo bem, ele parece ser educado."
Aos poucos fui percebendo os detalhes, ele não parecia do tipo catador, isso me surpreendeu.
Não fazia do tipo moreno, alto, bonito e sensual, estava mais pro cara tímido do curso de antropologia com um pequeno e quase imperceptível problema de gagueira. Agora a pergunta era outra, o que ele estava fazendo ali? Diversão? Talvez.
Olhei em volta. Nenhum grupo com cara de "vai lá, mostra que é espada". Ok, não parecia uma aposta idiota. Vamos continuar.
Uma bebida, umas conversas, a confiança dele estava aumentando e meu pensamento já não estava tão ligado em meu travesseiro que esperava ansioso em casa.
O barulho já tornava sua voz baixinha quase inaudível, agora ele viria o convite "que acha de um lugar mais calmo?"
Para minha surpresa, nada.
É, ele era um tipo raro. E eu gostei disso.
O papo continuou ao pé-do-ouvido, tranquilo, sem neuras nem mensagens com segundas intenções.
E-mails trocados, sorrisos involuntários surgindo. Legal, ganhei mais um amigo.
Até que ele ficou ali, me olhando, sem aquela cara de "ok, ela já tá no ponto", mas apenas disse "você é diferente, admiro isso".
O momento não combinava com o cenário, o sorriso educado e a vergonha estampada trazia de volta ao início do século XX.
Ele abriu o bolso, tirou uma caneta e começou a escrever em uma folha de caderno que trazia consigo. Ao terminar, dobrou-a e colocou dentro de um envelope.
Nada mais óbvio que achei aquilo estranho e quando estava prestes a tomar coragem para perguntar o que significava ele me interrompeu: "Preciso ir. Sei que é ridículo, até um pouco importuno, mas você poderia me fazer o favor de só abrir isto amanhã? Eu agradeceria muito."
A única (e conveniente) resposta que me passou pela cabeça foi sim.
Ele sorriu, e foi embora.
A curiosidade me matava, mas achei que seria melhor cumprir com a promessa. Fui para casa e passei a noite olhando para o envelope. Eu só podia ter bebido demais.
Amanheci no sofá, maquiagem borrada, roupas amassadas e um embrulho que me fez recordar a balada anterior.
Sem espera, mas com um cuidado inexplicável, rasguei o micro-pacote.


"É, você é diferente. E linda. Sei que não sou o cara mais interessante do mundo e desculpe-me por ter perturbado sua noite, mas é que seria a última que teria a chance de conhecer alguém especial que me fizesse feliz num último momento e por uma sorte incrível encontrei você. Eu sei que você não tem nada a ver com minha vida e que eu estou sim sendo apressado, mas é que as circunstâncias exigem que eu seja assim. Não sei como dizer, mas à essa hora devo estar morrendo. Convivo com uma doença grave há anos e hoje seria o meu último dia de vida. Sinto em dizer isso, mas é real. Por favor, imploro, não se assuste, pois posso dizer que fique feliz por ter tido a chance de te conhecer e acho que você deveria saber disso. Não acreditava em amor, muito menos à primeira vista, mas você mudou minhas expectativas. Obrigado."


Eu não sabia o que pensar. Minha cabeça girava, minhas mãos tremiam, meu coração parecia partido.
Reli a carta diversas vezes para ter certeza de que não era um sonho ruim. Não era.
Peguei o telefone e liguei para o número que ele me passara.
Uma voz triste atendeu. Sem pensar, comecei a perguntar sobre o rapaz que conseguira dar uma reviravolta em minha vida em apenas uma noite.
A dona da voz me disse que era sua irmã, ela não parecia preocupada em saber quem eu era ou porque motivo eu estava ligando, mas me contou sobre a doença e o endereço do hospital em que ele estaria (é horrível dizer isso) esperando pela morte.
Parti para onde ele estava. Esqueci da vida, do trabalho e dos compromisso. Dane-se o resto. Naquele momento comecei a acreditar, não só em amor à primeira vista, mas num sentimento forte, inexplicável e talvez até incompreensível aos olhos humanos, um laço que pode unir dois corações desconhecido de uma forma tão rápida e tão descomunal.
Que durasse pouco, que não fosse explicado, que não tivesse beijos nem formas de afeto, mas que existisse. Aquele último dia eu passaria com ele, pena que não me foi permitido sonhar com o para sempre.
E eu que achei que ele seria mais um.

6 comentários:

  1. gentee que lindo... quase chorei agora.

    ResponderExcluir
  2. Adorei, posso agora dizer que estou melhor depois de ler essa historia, adorei este blog, ele me faz refletir e me deixar mais feliz posso dizer #ameiameiamei

    ResponderExcluir
  3. aii amei o seu blog , sabe aonde eu vi ? na capricho haha!

    ResponderExcluir
  4. lindo o seu texto, quase chorei =x Fiquei só com uma duvidazinha.. Os textos que você escreve são inventados, ou reais, eu sei, ´[e uma pergunta idiota, mais sei lá. Eles comovem muito. Amei os seus textos. *-*

    ResponderExcluir